domingo, 25 de abril de 2010

Seu Joaquim

O ar do quarto era espantosamente leve, sereno, contrariando qualquer expectativa macabra do cenário. Assemelhava-se a um santuário, meticulosamente bem arrumado, como se houvesse sido previsto que, ao despejar da manhã, diferentes vultos por ele transitariam. Muitos, estranhos, maculando-o por mera curiosidade.
Ao centro do quarto, a fúnebre cama suportava todo o peso de seu descanso final. Jazia de atravessado, com as pernas para fora do ataúde que a cama se tornara, como se seu último ato no universo tivera sido em um frustrado esforço inumano para erguer-se e encarar o fim de pé.
A sombra da morte não lhe roubara o semblante apaziguador, que em vida, se fez muito útil em situações exatamente iguais a esta. Trazia o véu da face esticado, livre das usuais rugas, como se tivesse sido polido com destreza ao decorrer de sua ultima noite.
Tocava o chão com as pontas dos pés, como que simbolizando uma pequena conectividade com o que ficara para trás. A chama do sol atravessava a janela, fulminando-o ao centro do peito, projetando no mesmo um luminoso triângulo, alheio ao fato de que seu calor e ternura já não poderiam mais ali ser sentidos.

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